Eu consegui de novo. A trajetória rumo ao meu segundo título nacional de Catan
Um relato do meu bicampeonato, com detalhes da final e considerações sobre o crescimento da cena competitiva de Catan no Brasil
“Não é sobre o quão forte você bate. É sobre o quanto você aguenta apanhar e continuar avançando; o quanto você suporta e segue em frente. É assim que se vence.” - Rocky
Rocky foi minha série de filmes favorita na adolescência. Embora eu não tenha qualquer ligação com o boxe, via na história do personagem de Stallone uma romantização inspiradora de seu arco de redenção.
Sempre fui extremamente competitivo, tanto nos esportes quanto em qualquer tipo de competição – até mesmo no ambiente escolar. Sem dúvidas, esse espírito competitivo me ajudou a ser um aluno melhor e, eventualmente, a me tornar médico.
No entanto, ainda me faltava a glória de uma competição genuína, algo que fizesse sentido disputar. Sabemos que a vida é uma competição em muitos aspectos, mas será que deveríamos encará-la dessa forma?
Foi no Catan, em 2021, que encontrei o canal perfeito para direcionar meu espírito competitivo. Ao descobrir uma paixão pelas estratégias desse jogo, me dediquei intensamente. E hoje colho os frutos: campeão nacional em 2023 e bicampeão em 2024.
Nesse jogo, em especial, a frase de Rocky faz muito sentido. Da maneira como as competições estão estruturadas atualmente, a queda é infelizmente muito comum; já o sucesso é raro e dependente de vários fatores. E eu caí. Muitas vezes!
Mas finalmente tive o meu arco de redenção, que começou em 2023. E se confirmou em 2024, num campeonato pra lá de épico.
Neste texto, quero fazer algo diferente do habitual no blog: um relato mais próximo da minha mais recente conquista, com foco nos detalhes técnicos da partida final. Vem comigo nessa jornada!
O Campeonato Nacional de 2024 - São Paulo, Brasil.
Cheguei a São Paulo na noite de 2 de agosto. Hospedei-me em um hotel, pedi um lanche e me preparei para dormir. No entanto, acordei três horas depois, passando muito mal – provavelmente devido a uma intoxicação alimentar.
Meu estado de saúde era um campo de batalha interno. A dor e o desconforto eram tão intensos que quase me fizeram recuar. Cada tentativa de descanso era interrompida por náuseas e dores agudas. Eu me perguntava se a competição ainda era possível para mim.
Havia viajado aproximadamente 500km e esperado o ano inteiro por esse momento. De última hora, tive uma leve melhora e decidi ir. Automedicado e reidratando-me, cheguei ao local da competição ainda me sentindo fraco.
Com o estômago ainda revoltado e a mente turva, a determinação de participar era meu último ato de coragem. Seja o que Deus quiser…
Havia 68 participantes no total. Nomes consagrados da cena nacional já estavam lá: alguns jogadores online, outros apenas presenciais, mas com décadas de experiência; campeões recentes e antigos. No geral, era a nata do Catan no Brasil – campeões e finalistas regionais de um país com mais de 200 milhões de habitantes, o segundo maior do Ocidente!
Cenário perfeito para um campeonato eletrizante.
E não foi diferente. Quatro rodadas qualificatórias foram realizadas para definir os semifinalistas (16 classificados). Novamente, como no ano anterior, o corte para o top 16 foi de 2 vitórias e 33 pontos no total. Com 3 vitórias e uma derrota de 7 pontos, me classifiquei na quinta colocação.
Na semifinal, caí em uma mesa com um Mestre Enxadrista em sua sexta semifinal em sete torneios seguidos (!!), um outro jogador muito experiente, e um talento da Escola de Curitiba. Muito debilitado, cometi alguns erros, mas ainda assim consegui a vitória em uma partida equilibrada.
Eu estava lá novamente: na minha segunda final seguida! Exausto. Acabado. E, no fundo, orgulhoso. Mal podia acreditar no meu feito.
A Grande Final
Para minha sorte, a final foi adiada para o dia seguinte. Mas antes disso, era importante conhecer os outros finalistas.
E, ao descobrir quem seriam meus adversários no grande jogo de 2024, tive uma grata surpresa:
Thiago Kato, meu amigo com quem viajei à Colômbia para o torneio continental, havia conquistado sua terceira classificação consecutiva para uma final. Semifinalista no último mundial, Thiago é um dos grandes nomes da cena brasileira.
Apesar de estarmos cientes da dificuldade que seria a partida, naquele momento, ao sabermos da classificação um do outro, uma genuína felicidade tomou conta de nós. Talvez esse tenha sido o grande momento do dia para mim: um abraço entre dois amigos, dois competidores, felizes um pelo outro. Um retrato perfeito de uma competição saudável e amistosa.
Os outros dois jogadores eram Caio, mais um talento Curitibano, que havia conquistado um segundo lugar geral no qualificatório (com 3 vitórias e 39 pontos), além de previamente ter sido primeiro lugar geral no campeonato de 2022 (com incríveis 4 vitórias, 100% de aproveitamento); e Marco, um jogador novo no cenário competitivo e muito promissor.
Fui para meu hotel, descansei, e acordei animado para o último jogo do torneio.
E foi uma tremenda de uma final! A seguir, coloco em detalhes o passo a passo da mesa final.
A Montagem do Jogo
A ordem de settlements foi: Caio (laranja), eu (vermelho), Thiago (azul) e Marco (branco). Como segundo, escolhi o 9410 e, apesar de não conseguir o 85 ou 61011 como esperado, fiquei com um bom OWS, que já havia me rendido quatro vitórias no torneio e era o que almejava.
Caio tinha flexibilidade para escolher entre maior estrada ou maior cavalaria, com bons portos à disposição. Thiago escolheu um bom setup side-by-side, porém sem portos significativos, e Marco, como último a escolher, fez o melhor que pôde com o que sobrou, optando por um OWS com acesso ao porto de madeira.
Um começo lento e frustrante
O início da partida foi como um jogo de xadrez em um tabuleiro de Catan. Cada jogador estava calculando suas jogadas, observando as estratégias dos adversários e avaliando as oportunidades. O ambiente estava carregado de concentração e expectativa, e cada movimento parecia crucial. Enquanto outros jogadores tiveram rápida ascensão, eu lutava para manter o ritmo. Cada movimento meu era uma tentativa de recuperar o tempo perdido e mudar o curso da partida.
Thiago avançou rapidamente, com uma cidade em um 6 de minério e duas cartas de desenvolvimento. Caio comprou cartas de desenvolvimento, garantindo para si a maior cavalaria, enquanto Marco avançava com a ajuda do 11, que saía com frequência.
Com o 6 de minério bloqueado, percebemos que Thiago não tinha cavaleiros, o que significava que ele poderia estar com seis pontos, a duas estradas e um settlement de 9 pontos.

E foi, nesse momento, que começou o que se espera de uma mesa de alto nível: o balanceamento do jogo.
O Balanceamento do Jogo: Um Desafio de Cooperação
À medida que Thiago avançava com sua cidade e cartas de desenvolvimento, o jogo se tornava cada vez mais tenso. A frustração de não conseguir a maior cavalaria e o bloqueio constante do 6 de minério me deixavam cada vez mais desamparado. Cada jogada parecia uma batalha, e eu estava no centro da tempestade. A necessidade de uma estratégia de equilíbrio tornou-se evidente, e a ideia de colaborar com Marco e Caio surgiu como uma tábua de salvação. A cooperação entre nós era nossa única chance de impedir Thiago de ganhar vantagem definitiva.
Sugeri então que Caio (laranja) focasse em pegar a maior estrada, já que Thiago estava avançando rapidamente. Apesar das preocupações de Thiago sobre Caio dominar as duas condições de vitória, sabíamos que Caio teria que focar em uma delas, e a maior estrada parecia o caminho mais provável.
Foi então que Thiago jogou um monopólio de minério, colocando mais duas cidades em jogo e se aproximando perigosamente da vitória. Com isso, Marco, Caio e eu começamos a nos coordenar. Sabíamos que, para frear Thiago, precisaríamos ajudar Caio a estender sua estrada. Isso nos daria tempo.

Port Service como estratégia de balanceamento
Admito que, após o monopólio, suspirei e quase me deixei levar pela resignação. Mas não existe jogo perdido no Catan.
O momento em que começamos a nos coordenar foi crucial. A sensação de trabalhar em conjunto, de alinhar estratégias e fazer trocas inteligentes, era um alívio, mas também um desafio. Cada troca de recursos era uma jogada de estratégia, uma tentativa de retardar a vitória de Thiago e criar uma oportunidade para nós mesmos. A tensão era palpável, mas a esperança de uma virada manteve o espírito de luta aceso em cada um de nós.
Nos organizamos de forma a usar portos para produção de tijolos para Caio. Usamos diversas vezes o que se chama de Port Service, às vezes até mesmo triangulando trocas entre mim, Caio e Marco, este sendo a ponta de contato para produção dos recursos de estrada.
Estrada tomada, conseguimos respirar.
O Risco Calculado
Em determinado momento, Thiago (azul) amplia suas estradas em direção ao porto 3:1. Eu, ainda com 5 pontos, preciso tomar uma decisão arriscada: trocar 3 cartas (ovelhas) com o laranja por uma, para que assim ele possa trocar com o banco e continuar estendendo. Na minha posição, muito atrás, realizar essa troca de pouco valor em recursos é praticamente um suicídio no jogo.
O peso da escolha parecia quase físico, e a ideia de que essa troca poderia ser o fim do meu jogo era desesperadora.
Mas antes de mais nada, preciso me manter fiel ao estilo de jogo que acredito. Preciso de tempo, preciso apostar minhas fichas no balanceamento. Essa é a minha única saída aqui.
A partir desse momento, também entendo que preciso comprar cartas de desenvolvimento e jogá-las da melhor forma possível para ter alguma chance. Compro, em um turno, dois cavaleiros. Posso brigar pela maior cavalaria, e então, já começo a mover o cavaleiro do 11 ao 9, do 9 ao 11 para ganhar ritmo na disputa.
A Reta Final: virada na hora certa
Compro mais duas cartas de desenvolvimento seguidas: 2 pontos de vitória. Vou a 8 pontos com um settlement, enquanto Thiago (azul) joga um year of plenty e uma road building. Ficando cada vez mais próximo da vitória, obriga-nos a continuar as trocas inteligentes para extensão da estrada de Caio (laranja).
Mas agora o jogo está balanceado e todos tem chances de vitória.

A cada movimento na reta final, a tensão no ar era quase palpável. Minha mente corria, e o coração batia forte. Em determinado momento, Caio, já com 8 pontos, compra uma carta de desenvolvimento. Cada decisão parecia um jogo de alto risco, e a vitória parecia escapar entre meus dedos. Quando finalmente consegui fazer uma cidade e comprar do banco mais um ponto de vitória, a sensação de alívio e euforia foi indescritível. As horas de esforço e a tensão do jogo se transformaram em um grito silencioso de conquista.
…
BICAMPEÃO BRASILEIRO!
Bicampeão Brasileiro – as palavras ressoaram como uma melodia triunfante na minha mente…
Reflexões finais
A sensação de ter superado as adversidades e conquistado o topo era a recompensa final, uma celebração não apenas da vitória, mas da perseverança e da paixão pelo jogo.
Superei as adversidades de ter sido um pária dentro do Catan online, sem títulos expressivos e derrotas amargas.
Superei as adversidades do mal-estar que sofri na noite anterior.
Sim, fui campeão. Apenas mais um resultado. Não significa muita coisa do ponto de vista teórico. Mas o contexto torna tudo muito especial.
Catan é um hobby e uma paixão. Há tanto a ser explorado nesse simples, mas ainda complexo jogo, que envolve, quando jogado no seu mais alto nível, habilidades sociais e lógicas com um enorme escopo tático.
Fico feliz de ver uma cena que está cada vez mais se amadurecendo, produzindo bons jogadores e jogos inteligentes. Isso ocorre na cena internacional online há anos.
Mas pude também perceber como isso está acontecendo de forma expressiva também na cena brasileira! O campeonato como um todo e essa final do mais alto nível são exemplos disso.
E há tantos atores diferentes nesse crescimento do cenário competitivo, que digo que o Brasil está se elevando a uma potência do Catan mundial.
Uma das grandes responsáveis é a Devir Brasil. A empresa que detém os direitos do jogo no Brasil tem feitos esforços extraordinários para promoção de torneios regionais - além de ser um exemplo mundial na organização do torneio Nacional.
Atores individuais que fomentam as dicussões estratégicas no dia-a-dia, especialmente o grupo do WhatsApp Catan Competitivo Brasil, também merecem destaque.
Particularmente, gosto de destacar o pessoal de Curitiba. Lá, diversos jogadores se reúnem semanalmente para jogar e disputar. Coincidência ou não, a cidade é o maior berço de jogadores de alto nível do Brasil. Carinhosamente, os chamo de Escola de Catan de Curitiba. Meu reconhecimento especial para os idealizadores, principalmente Patty e Bruno (it4rahell) - que também é um produtor de conteúdo online de Catan estratégico.
Quanto a mim…
Agora, com os títulos em mãos, sinto uma profunda sensação de satisfação e realização. O trabalho está feito.
Mas a verdadeira vitória vai além dos troféus. É sobre crescer e aprimorar este hobby que considero uma verdadeira arte. Vamos, juntos, continuar a elevar o Catan a novos patamares, tanto no cenário nacional quanto internacional. A jornada está apenas começando, e eu estou aqui para contribuir e apoiar cada passo desse caminho.
Contem comigo para tentar transformar cada desafio em oportunidade e cada jogo em um passo rumo à excelência.